Cada um com seu cinema

Por diferentes motivos, cada um veio a cursar cinema e audiovisual, na maioria pessoas que não deram continuidade em seus estudos em outros cursos, seja engenharia, jornalismo ou na área da saúde. Ninguém da equipe, pra falar a verdade, sabe exatamente por que veio para a sétima arte, assim como não se lembra quando foi a sua primeira experiência de cinema.

Então, veio a tarefa de fazer esse trabalho. E devemos dizer que foi o trabalho mais complicado e gostoso de fazer até agora. Complicado porque tivemos que passar o dia rodando pela cidade, entrevistando pessoas que de alguma forma estão envolvidas com cinema. Não dava para basear o trabalho em uma pessoa só. A experiência do cinema é diferente para cada um de nós. Depois veio a edição, quando a gente vê que algumas partes não vão entrar porque a imagem está ruim. Ou porque o áudio está horrível. Ou porque alguém aparece no reflexo da TV. Aí vem a escolha das fotos para o ensaio, quando você acha que nenhuma foto saiu boa, que saíram tremidas e que você vai ter que editar todas. E tem a parte de escrever esse texto, quando você não tem inspiração e sua mente fica em branco, então tudo vem a sua mente de uma vez e você não sabe o que escrever… Tudo parece ser muito trabalhoso, e é. Porém, ter a oportunidade de conversar com as mais diferentes pessoas, cada uma com um jeito e um gosto, com opiniões diversas, faz com que percebamos que o cinema (aquilo que todos nós do curso amamos) as aproxima. Essa é a parte gostosa de fazer o trabalho. Essa e ao terminar, quando respiramos com alívio por tudo ter dado certo.

Em nosso trabalho falamos com cinco pessoas a quem agradecemos o tempo e a boa vontade de nos ajudar. Os entrevistados foram um projecionista, duas crianças, um colecionador de DVDs, um professor de comunicação e organizador de cineclube e uma estudante da área. No final restaram, infelizmente, apenas duas entrevistas pelo áudio das câmeras digitais não terem colaborado. O nosso objetivo é mostrar que seja estudando, trabalhando, ensinando ou apenas assistindo, todos nós fazemos cinema.

Cada um com seu cinema. from Luandro Vieira on Vimeo.

 

 

JOSAFÁ

 

“Ele é tímido, não sabe nada de cinema. Apenas tem a coleção de filmes que ele faz por hobby.” Eis a primeira definição que tivemos de Josafá por meio de uma de suas filhas, Carol.

Tímido ele pode até ser, mas a entrevista revelou um homem sempre curioso, culto, colecionador zeloso de revistas semanais, de história seja do Brasil ou mundial, além de modelos de miniaturas de carros – “alguns desses são daquelas promoções que havia antes em postos de combustível, após abastecer acrescentava-se determinado valor para adquirir o carrinho” -, assim como CDs de música clássica e DVDs.

Durante um sábado à tarde, Carol recepciona a equipe em sua casa. Lá em cima, Josafá vem do quarto em direção à sala tranquilamente, nem parece estar nervoso com a entrevista. A estante de sua sala é praticamente tomada por DVDs dos mais diversos gêneros de filmes. Diz nada entender de cinema, mas que gosta de fazer sua coleção. Embora já tenha assistido a quase todos os filmes que possui, Josafá diz que gostaria de assistir a muitos outros, “mas o tempo anda curto”.  Ao menos uma vez por semana tenta ver algum em casa.

Com gestos calmos, ele aponta, gesticula serenamente ao dizer que seu prazer pelos filmes vieram por influência de seu pai, que foi uma rápida referência, pois faleceu quando Josafá tinha sete anos. Seu pai teve câncer e não podia fazer muita coisa. Por isso assistia a filmes em casa, principalmente os de guerra. Depois seus primos o levavam aos cinemas de Fortaleza. Sua primeira lembrança de sala de exibição é do São Luis.

Para ele, assistir a filmes em salas de exibição é bem melhor, mas o problema é a locomoção, pois no centro não há onde estacionar o carro, como, por exemplo, no São Luis. Pausadamente como que em um ar de lamento misturada a saudosismo ele diz “aquela estrutura toda, som, não tem igual.” Afirma que em casa não chega nem aos pés.

Mas se assistir em casa tem seus contras, há também seus prós, pois se por um lado sempre há algo ou alguém a interromper, como seu menino a lhe tirar a atenção, isso o obriga a ver o filme mais de uma vez, o que faz com que se perceba coisas que não foram notadas na vez anterior.

A curiosidade não é apenas por parte da equipe, mas dele também: “Mas o curso de vocês qual é?” Curiosidade que o leva a buscar pelos filmes raros que não encontra nas locadoras. Na sua opinião, hoje está mais fácil graças aos canais de TV por assinatura e internet;  até porque se fosse comprar tudo não haveria como. “Muito da minha coleção é obter aqueles filmes antigos que foram marcantes e que, infelizmente não fazem parte do catálogo das locadoras”. Portanto, sua coleção é um memorial de filmes não-comerciais. “Ainda bem que a tecnologia nos possibilita isso”. Antes, pelo contrário, era muito difícil. É o que eu digo para as meninas (no caso, suas duas filhas): “vocês estão num momento privilegiado. Aproveitem.”

Sua coleção se iniciou com fitas VHS que praticamente foram todas transferidas para formato DVD. O gravador de seu computador queimou e ele não encontra outro para comprar. Ele gravava programas de documentário da TV Escola e do SESC TV, indicando os DVDs na estante.

Josafá admira a fotografia de determinados filmes e outros aspectos mais técnicos. “O paciente inglês tem uma fotografia espetacular, não só na minha opinião mas é o que dizem. É considerado melhor que Lawrence da Arábia. Embora eu ache que seja mais para ganhar o Oscar.” Entretanto, ele não se considera cinéfilo – muito provavelmente é modéstia. Mas confessa que procura “vez ou outra” buscar informações na internet sobre cinema. Mas insiste em dizer que nada entende, pois quanto mais lê, mais tem noção de que nada sabe; embora sua filhas protestem contra seu menosprezo pelo que “nada” sabe. Para ele cinéfilo é quem entende mais de filme, que tem embasamento para falar. Ele, entretanto, assiste porque gosta.

Perguntado se filme educa, Josafá pensa por um instante como a refletir e sentencia que é como a internet educa tanto para o bem como para o mal. Alguns filmes inclusive ele teve de apagar porque achou muito forte e não quer que seus filhos vejam. “Eu nem terminei de ver. É muito pesado.”

Quando perguntado se os seus filhos já seguem seus passos, ele responde que sim, visto que se trata de referencial. Afirma que até demais pelo fato de as meninas, às vezes, deixarem de estudar para ver filmes. Na sua coleção também há boa quantidade de filmes infantis. E assim que acorda, durante a entrevista, a primeira coisa que seu filho faz é pegar um DVD infantil para assistir no quarto. A influência de Josafá se mostrou visivelmente presente naquele momento.

De repente, forte chuva se arma no céu e não demora a cair. A entrevista, que já estava no pelo fim, se estende com Josafá mostrando sua coleção de revistas, de miniaturas de carros, CDs e em meio a essa conversa é que se descobre a sua desenvoltura em falar de fotografia do cinema: seu pai tinha uma loja fotográfica em Fortaleza e Josafá possui também uma coleção de fotografias. Mas isso é assunto que fica para outra entrevista.

 

DEDÉ

 

“Tem de gostar do que faz. Não adianta vir aqui apenas para ganhar dinheiro. Pode-se trabalhar como advogado ou coveiro, mas se não for com prazer de se estar fazendo aquilo nenhuma profissão faz sentido”. Assim se define profissionalmente Dedé.

Quarta-feira nublada, Dragão do Mar por volta das três horas da tarde. Tudo muito calmo, poucas pessoas pelo local ao contrário do que ocorre aos finais de semana, seja dia ou noite, quando seus bares, casas noturnas, cinemas e espaços culturais fazem com que o Dragão seja conhecido como um dos locais mais boêmios de Fortaleza. É num clima de tranqüilidade, no Espaço Unibanco, que trabalha (Jhoseffi), o DEDÉ. O projecionista nos recebe convidando-nos para subir até a sala de projeção, pois “daqui a pouco será exibido um filme”.

Foi um estado de encanto para a equipe, que nunca esteve antes numa sala de projeção. Ali, DEDÉ sente-se à vontade, com desenvoltura para descrever a sua experiência de cinema, no seu caso a de quem faz o filme acontecer, como um maestro das películas.

Engana-se quem pensa que ele é um técnico que se restringe ao fazer o filme vir à tela a partir do projetor: ele pensa o cinema como um todo. Fala de sua relação com aquele espaço em especial, “meu irmão trabalhava aqui na portaria e foi por ele que comecei a trabalhar aqui na faxina. Havia o projecionista com quem fiz amizade e foi quem me ensinou pouco a pouco como operar o projetor e tudo mais que envolve a sala de projeção. Quando ele teve de sair, eu fui convidado para ficar em seu lugar.”

Dedé descreve o prazer que sente por trabalhar como projecionista, “Já tentei, mas não consigo ficar longe disso.” Ele saiu para estudar e dar aula sobre arte de projetar. “E olha que estamos procurando a três anos alguém para trabalhar aqui, mas não encontramos e quando procuramos alguém para ensinar, em poucas semanas ele pede pra sair por ser uma profissão muito detalhista, a parte grosseira do cinema, que quem está em algum curso não tem noção exata do que é analisar a película, se a sala é para 2.0 e o filme é 5.1 etc.

Ele descreve com brilho nos olhos a sensação de ver a fila se formando lá fora e quando os espectadores se voltam para trás quando apagam as luzes. “Tu entra por aquela porta e vê a lata com o filme aqui dentro, tu é o primeiro a ter contato com o filme. As pessoas olham não para a tela, mas pra trás, pra ti.” Ele é na verdade, a estrela quando é dia de estréia de filme. E quando todos aplaudem, lhe é a mesma emoção de pai ao ver seu filho nascer, ser o primeiro a ouvir seu choro.  Ainda com ponta de emoção e orgulho ele relata ser gratificante ver seu esforço ali na tela e, além disso, reconhecido pelos que estão na sala. “Até por que o diretor sabe que se não houver profissional qualificado a projetar seu filme, a obra saíra prejudicada. E o qualificado é aquele que é apaixonado.

Ele fala sobre a diferença entre se assistir ao mesmo filme várias vezes e não considerar isso chato, mas ser, às vezes, cansativo. Mas caso se esteja fazendo o que gosta, na quarta sessão se está vendo o filme de outro jeito. Ele enxerga onde há erro de continuidade, enquadramento equivocado etc.

Ao som do “oitão” de fundo, Dedé relata que trabalhar ali é experiência ímpar , pois se tem contato com pessoas de fora com experiência enorme a transmitir por ocasião, por exemplo, do Cine Ceará, Anima Mundi. E assim, ao invés de só ganhar para trabalhar, se está aprendendo.

Dedé afirma que se disser que sabe tudo de cinema é mentira – ele tem a consciência que nunca se sabe tudo sobre a sétima arte.

Sobre os filmes de arte diz que são bem diferentes pelo fato de não poder ser interrompido enquanto se assiste ao filme, não dá pra ir com a mulher perguntando como é que é o filme, pois tem que realmente se entender o filme.O que é diferente quando o filme é comercial, quando se pode levar pipoca, afinal não há a preocupação em se debater o filme após a sessão. “Eu vejo por esse lado.” Ele acrescenta dizendo que muitos pensam que filme brasileiro é cinema de arte. “Até por que cinema de arte não é algo só pra ser visto, é como comida que quando você vai fazer um prato diferente não e só um prato pra você comer. Você tem que comer com os olhos, comer com o ouvido e depois tentar não engolir, mas provar o que você fez.”

Envoltos pelo ruído da máquina de projeção, todos prestam atenção às considerações que Dedé faz não somente em relação ao cinema de arte como em relação ao fato de ser o cinema comercial que lança novas tecnologias pro cinema “sem sombra de dúvida”. “Até porque cinema de arte tem de expressar arte além do conteúdo com enquadramento, fotografia.”

Enquanto isso, o filme Rio, com suas simpáticas ararinhas azuis, acontece no telão. Ouvem-se risadas de crianças e adultos. Dali de cima, contemplamos um pouco do filme. Enquanto isso, Dedé sai da sala e retorna com algumas latas de proteção de filme e acrescenta pedaços de película descartados. Todos ficam maravilhados com o presente. Para todos da equipe, que são estudantes da sétima arte, foi como sermos crianças em um domingo no parque de diversões.

 

 

 

Ensaios para disciplina Cinema e Pensamento de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal do Ceará.